Todos os Natais, a história repete-se.
Semanas antes dessa data, começa a correria aos melhores presentes. Seja a
Black Friday, as promoções de fim-de-semana ou a oferta dos portes de envio em
lojas online, tudo é feito da forma
mais inteligente para aliciar-nos a comprar cada vez mais e mais. Parece que
toda a preparação para esta data deve começar pela parte material (e quem sabe
manter-se assim até ao fim).
Ainda antes de termos a lista de
presentes bem definida, já andamos nós, a cuscar os folhetos que nos vêm parar
às mãos, cheios de motivos natalícios, na esperança de encontrar o presente ideal.
“Este era giro para a mãe, aquele para a sogra, aquele para aquele amigo, e
estes para os filhos da vizinha da amiga que uma vez disse-me bom dia e estava
tão mal disposta que agora até merece um presente, também…”
Todos os anos, esta história repete-se. Nota-se
a diferença nos centros comerciais, pela multidão de pessoas que fazem fila nas
escadas rolantes ou nas passadeiras. Vêm todos (ou quase) de lá com as mãos
cheias de sacas enormes. Parece que quanto maior a embalagem, melhor o presente…
O conteúdo dos carrinhos de compras, usualmente ocupado por legumes, frutas ou
detergentes é substituído por caixas de presentes embrulhadas e empilhadas até
à altura dos olhos. Parece que quantidade é sinónimo de qualidade. Parece mesmo
que nesta altura do ano, ninguém come nada para além de caixas de presentes.
Parece que mais importante do que a alimentação é conseguir trazer todos os
presentes para casa. “Já comemos o ano todo, nesta altura do ano bem que
podemos fazer uma pausa”.
Um mês antes do Natal, e já parece que o
mundo esqueceu o quão maravilhoso é aproveitar o sol. Trocam-se os passeios à
beira mar, pelos corredores do supermercado. Trocam-se os parques infantis, pelas
longas filas de carro. Claro está, que o resto vocês já sabem. Quanto mais
próximo está o Natal, maior o caos. Qual furacão Ana? Ou Bruno? Ninguém fica em
casa quando se tem o Natal à porta. É necessário relembrar toda a gente, desde
o familiar mais próximo ao vizinho mais distante, que no Natal podem comer
caixas de chocolate Ferrero como se não houvesse amanhã, só para não fugir à
tradição. E, na verdade, ninguém sabe se o mundo acaba no dia 31. Compramos,
compramos, compramos. Compramos até a mais, porque podemos esquecer alguém. E,
mesmo assim, nos dias antes do Natal, temos as obrigatórias compras de última
hora, porque todos os anos falta alguma coisa. Quantos mais presentes conseguirmos
ter debaixo da árvore de Natal mais amigos fizemos durante o ano, e mais amigos
irão acompanhar-nos no próximo (ou não!). Quantos mais presentes conseguirmos
colocar debaixo da árvore mais bonita fica aquela foto que vamos partilhar nas
redes sociais. Afinal de contas, bolinhas e glitter só fica bonito no Natal.
Todos os anos, a história passa por
isto. Todos os anos, passamos a ser uma espécie de monstro dos presentes. Queixamo-nos
do sistema nacional de saúde, quando temos que fazer fila à porta do centro de
saúde para conseguir vaga para o nosso filho que ficou doente. Mas, não nos
importamos nada de fazer fila à porta do Continente, para aproveitar os 50% de
desconto em cartão para comprar aquele presente que o nosso filho tanto pediu…
E, para agravar a situação, ainda ficamos orgulhosos com isso: “eu fui o
primeiro a chegar, fui logo a correr para o corredor dos brinquedos e consegui
aquele brinquedo. Não percebo para o que aquilo serve, mas já só haviam 3 em
exposição”. Que orgulho! Que orgulho acordar cedo, esperar horas na fila,
correr como se estivéssemos numa maratona ou a fugir dos touros, nas corridas
anuais de Espanha, só para assegurar que aquele presente é meu! Mas, se o meu
filho precisar de uma consulta no centro de saúde, ai que custa tanto esperar…
(Não estou a dizer que concordo com esta espera, mas é só para podermos
comparar).
Todos os anos, questiono o verdadeiro
significado do Natal.
Mas, é isto o Natal? É este Natal que
queremos ensinar aos nossos filhos?
E aquela gratidão? O sentido de
partilha? Ajudar o banco alimentar já se tornou tradição. Mas, não o faremos só
porque “já está tão enraizado nas nossas tradições” e às vezes “quase somos obrigados
a participar com algo porque nos espetam com a saca mesmo à frente dos olhos”?
E aquela visita ao vizinho doente e acamado? Ou ao primo que vive longe e que
ia ficar tão mais feliz com uma visita ou uma carta, ao invés de um telefonema,
na noite de 24, meia hora antes do jantar, porque não tivemos tempo para o
visitar mais cedo?
E aqueles amigos que vivem longe? Que
tanta falta nos fazem, mas como os portes para presentes pesados fica carito,
não lhes enviamos nem uma carta, porque os CTT fazem fila e é uma seca esperar.
A estes, fica apenas a lembrança no nosso estado de facebook na véspera de
Natal. Ah e tal, deixa escrever aqui no status “Feliz Natal a todos os meus
amigos e familiares. Que tenham um excelente Natal, junto dos que mais amam”.
Assim, a mensagem despersonalizada e geral serve para todos. E, mesmo que aquele
familiar ou amigo não tenha visto, o “recado” estava lá. Ele é que não viu, e
temos sempre a desculpa de “ah e tal, perdi o teu número e não tive tempo para
te enviar uma mensagem privada…”
Quantos de nós nos empenhamos nesta corrida
e busca incessante de presentes perfeitos, quando na verdade, esquecemos de
preparar tudo o resto para a chegada do Natal?
Este Natal invertam as prioridades.
Escrevam aquela carta ao amigo que vive longe. Visitem aquele familiar que não
veem há anos. Subsituam os presentes por verdadeiras lembranças. E, aproveitem
o tempo para cuidar de vocês. Aproveitem o tempo para pensar no que gostariam
de receber este Natal. Aquela paz que tanto pedimos, se calhar está dentro de
nós. Aquela saúde que desejamos, se calhar está na mudança de um hábito que só nos
faz mal. Aquela felicidade que toda a gente idealiza, mas que parece só existir
na vida dos outros, quando são os outros que conseguem partilhar milhares de
fotos perfeitas durante o ano, se calhar, mas assim, só se calhar, está mesmo à
vossa frente. Se calhar, está mesmo dentro da vossa casa, nas coisas que vos
fazem acordar todos os dias, nas pessoas que vos cumprimentam todos os dias e
naquelas que tanto vos pedem um tempinho ao longo do ano.
Por isso, fica o apelo: este ano,
ofereçamos a verdadeira gratidão, com gestos, palavras ou até um abraço amigo.
Sejam muito Felizes e agradeçam!
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