Esta semana serão imensas as cartas ao Pai
Natal que irão invadir as redes sociais.
Esta será apenas mais uma. Ou não.
Escrever uma carta ao Pai Natal tem
muito que se lhe diga. Quando éramos crianças, acreditávamos na magia e no incrível
poder de desmaterialização que um ser grande, gordo e de barbas compridas tinha
ao ser capaz de atravessar paredes, descer chaminés ou simplesmente, entrar
milagrosamente pela porta fechada a 7 chaves.
Com maior ou menor rapidez, essa magia e
esse poder de desmaterialização desapareceram. Aquilo que fazia do nosso Natal,
o dia mais aguardado do ano perdeu-se. O momento da descoberta é sempre um
momento inesquecível. Um desgosto assombra a vida da maioria de nós de tal
forma, que falar sobre esse o momento de descoberta pode ser doloroso durante
toda a nossa vida.
Por isso, não endereço esta carta ao Pai
Natal, mas a cada um de nós.
É curioso pensar que, naquele momento em
que a ”verdade” é-nos revelada (seja qual for a forma), ela apresenta-nos o lado
mais horripilante de todos: afinal, a magia e a desmaterialização não existem!
Não existem! Ou melhor, não existem da mesma forma que nós o desejávamos
continuar a sonhar.
Com o avançar do tempo, seja ele medido
em tempo de evolução da sociedade ou da nossa própria idade, esta magia e
desmaterialização, que outrora se perderam, nunca mais são recuperadas. E na realidade,
nunca mais fazemos nada para as recuperar. É estranho falar nisto assim, mas é
o infeliz trajeto a que nos sujeitamos…
Quando descobrimos que, acordar na manhã
de 25, não é assim tão mágico nem encantado, a nossa atenção na “carta ao Pai
Natal” começa a focar-se cada vez mais nas coisas materiais. Sejam brinquedos,
jogos, livros ou computadores, todos queremos continuar a pedir ao “pai natal”,
mesmo que orgulhosamente comecemos a dizer “O Pai Natal não existe” a todos os
amigos da nossa escola. Queremos, por vezes, assombrar a fantasia dos nossos
colegas com a nossa nova realidade, mas continuamos a querer que o Pai Natal
continue a bater-nos à porta. E é aqui que o maior de todos os problemas começa.
A nossa carta ao Pai Natal, outrora escrita com toda a magia e suspense, começa
a ser escrita da forma mais banal de todas. Muitas das vezes, até temos a
resposta à carta antes do pedido oficial. É nesse momento que passamos a
desejar que a “magia” aconteça da forma mais palpável de todas. Sem a magia,
que desapareceu, o Natal começa a tornar-se, cada vez mais material. Crescemos com
a ideia de que, no Natal, podemos pedir “mundos e fundos” que o pai natal mais
próximo fará de tudo para que o nosso “sonho” se concretize. Por vezes, até
temos a possibilidade de ir à fábrica de natal escolher o presente ideal, sem
cartas de pedidos ou agradecimentos, nem que fossem em modo simbólico.
Pedir a prenda ao pai natal mais próximo
continuará a fazer parte da nossa tradição enquanto pessoa. A magia
desapareceu, mas o Pai Natal não. Afinal de contas, ele até se aproximou de
nós. E, para quê enviar uma carta, que não terá resposta, quando podemos pedir
(ou exigir) aquele presente que tanto queremos e que durante o ano não houve
possibilidade para nos ser oferecido?
Pois bem… Não pensarão o mesmo que eu? O
materialismo do Natal não é um problema atual. O materialismo cresce connosco,
a partir do momento que, perdendo-se a magia, nos permitem continuar a
valorizar o papel do Pai Natal ao longo dos anos, com as perspetivas erradas…
Tratando-se de um problema que cresce connosco,
teremos total capacidade de o fazer crescer e repercutir no crescimento dos nossos
filhos…
Não é curioso observar as crianças
encherem a carta ao Pai Natal com meia dúzia de brinquedos e dez chocolates ao
invés de um único presente? Não é curioso que, na carta ao Pai Natal, ninguém
(ou quase) escreva um agradecimento pelo presente do ano anterior, ou deixe um
agradecimento adiantado pelo presente que ele deixará no próximo Natal?
Não é de espantar que as cartas ao Pai
Natal sejam feitas em forma de pedido de algo para usufruto pessoal, ao invés
de pedirem um chocolatinho extra para aquele amiguinho que não recebeu nenhum
presente no seu aniversário e que está tão triste porque nem árvore de natal tem.
Não é de espantar que a carta ao Pai Natal não possua aqueles pedidos mágicos
(talvez utópicos, mas mesmo assim mágicos), como a paz ou a felicidade no mundo
inteiro. As nossas crianças nem sabem ao certo o que isso é.
A magia perdeu-se, na nossa época, e foi
uma descoberta tão dolorosa, que agora temos dificuldade em focar-nos no que é
realmente essencial.
Que neste Natal, sejamos capazes de
ensinar às nossas crianças que a magia pode acontecer. Que por mais difícil que
seja, se sonharmos e desejarmos com muita força, conseguiremos tornar o mundo
num local melhor.
Que neste Natal, sejamos capazes de
ensinar às crianças a pedir ao Pai Natal aquela paz interior para aquele menino
da escola, que passa o ano a bater em toda a gente; ou a pedir um amigo para
aquela menina com quem ninguém quer brincar.
Que neste Natal, sejamos capazes de
ensinar às nossas crianças a pedir ao Pai Natal companhia, serenidade, paz, o
pão para cada dia.
Que neste Natal, sejamos capazes de lhes
provar que a felicidade é maior longe dos ecrãs do telemóvel, tablet ou
televisão.
Que neste Natal, vivamos o Natal com a
magia e desmaterialização da nossa infância. Mesmo que o Pai Natal não seja
capaz de se desmaterializar, sejamos nós capazes de desmaterializar os nossos
pedidos…
E, ainda, que neste Natal, comecemos a
ser capazes de transmitir às nossas crianças que aquela magia que nós conhecemos,
ainda existe. E está tão perto de cada um de nós. Basta fechar os olhos e
sentir com o coração.
E vocês, o que pedirão ao Pai Natal?