É comum na
nossa sociedade que, em alturas festivas como a Páscoa, a família se reúna. É também
normal que os laços familiares sejam encarados como os únicos que nunca terminarão.
E, desta forma, por muitos conflitos que existam, carregamos a “responsabilidade
ou a culpa” de nos mantermos em conexão, em proximidade e em ligação. Não importa
se são pais, tios, avós, ou ainda parentes de 1º, 2º ou 3º grau: é família e por
isso devemos “respeitar” e manter a relação, nunca quebrá-la.
Sou de opinião
que a família, pai e mãe, marido ou mulher, irmãos, tios, avós, são essenciais
para a vida e o bem-estar das crianças, futuros adultos. Sou também da opinião que
todas as crianças têm o direito a serem criadas numa “aldeia”, e que várias
figuras de referência são benéficas para o seu desenvolvimento global.
Mas, também sou
de opinião que, quando estas mesmas pessoas de referência se tornam tóxicas,
seja qual for o papel que assumem, devem ser consideradas da mesma forma que
consideramos todas as pessoas que incluímos em todos os outros tipos de relações.
O papel que
exercemos sobre um filho, por exemplo, sobretudo nos mais novos, é poderoso. Devemos
sim ser o exemplo “quase perfeito” de como se deve levar a vida, de como se
devem enfrentar os desafios e, muito importante, de como nos devemos relacionar
entre todos.
Quando consideramos
que fazer parte de uma família é obrigatório estamos a aceitar que o que nos
fazem não é tão importante como o papel que as pessoas exercem umas sobre as
outras (pai, mãe, tio, tia, primo, sobrinho, entre outros…).
É importante
começar a desmistificar tudo isto e a atribuir às famílias a mesma
responsabilidade que atribuímos a todas as outras relações.
Se um amigo
nos magoa consecutivamente, somos da opinião que devemos afastar-nos, porque
essa pessoa e essa relação não nos faz bem. Mas, e se for um pai ou uma mãe? Por
que razão estamos apenas formatados para aceitar isso como normal e parte da
relação?
Se um colega
de trabalho nos maltrata, agimos em conformidade com as leis e procuramos
defender a nossa integridade enquanto pessoa. Mas, e se for um familiar? Por que
razão tentamos resolver “a situação a bem”?
Se um chefe
nos desrespeita, tomamos a decisão de mudar de trabalho. Mas, e se for um cônjuge,
por que razão aceitamos continuar no mesmo lugar?
Se um vizinho
invade a nossa propriedade, chamamos as autoridades e procuramos ficar em
segurança. Mas, se um qualquer familiar invade a nossa privacidade, por razão
permitimos que esse comportamento se continue a perpetuar?
É obrigatório parar
para pensar sobre isto. A família é importante. Desde que seja um lugar seguro
e saudável para ficar. Ter uma família é importante. Desde que seja nela que encontramos
o nosso verdadeiro lugar, um lugar de suporte, de compreensão, de amor, de
respeito, de carinho… Um lugar que seja capaz de nos aceitar como somos e não
de nos julgar, desrespeitar ou maltratar.
Quando, por
algum motivo, a família deixa de cumprir os requisitos que a façam encaixar num
padrão de relação saudável, será nesse momento que precisamos de a repensar.
Continuar a considerar
a família como algo obrigatório e algo que ficará para sempre na nossa vida é
continuar a aceitar que tantas coisas continuem a acontecer. É continuar a
aceitar que os elementos podem fazer o que quiserem, que os mais velhos não precisam
de respeitar os mais novos, porque estes lhes devem respeito e adoração. É
continuar a aceitar que o marido é o chefe da família e a mulher lhe deve submissão.
É continuar a aceitar que os irmãos se possam agredir e maltratar, porque a
disputa é saudável e faz parte dessa relação. É continuar a aceitar que não
importa o que nos façam, nos iremos lá ficar. É continuar a aceitar que uns
elementos têm poder sobre os outros e os mais “sensíveis, frágeis ou mais novos”
têm que comer e calar.
Precisamos de
atribuir à família a mesma responsabilidade que atribuímos a todas as outras
relações. Só assim os seus elementos terão os outros em consideração.
A família é
para sempre? Talvez. Mas a sua relação não.