Estes dias, num dos textos que partilhei
sobre atividades, levantaram a questão “E apenas brincar, não chega?”
Esta pergunta faz-me pensar em vários aspetos relacionados com tudo o que se tem vivido e partilhado pela internet. Irei deixar-vos alguns aspetos que considero relevantes ter em consideração, não a conclusão sobre nenhum estudo científico.
Em primeiro lugar, temos que situar o
que para nós é definido como “não chega”. Posso entender que algo não é
suficiente e outra mãe pode entender que é demais. Se pensarmos em doces é
muito fácil perceber este conceito. Para uma mãe, dar um chocolate por semana
pode ser demasiado (o ideal seria comer apenas em aniversários), para outra, um
chocolate por semana pode ser pouco (ela comia 5 por dia e não ganhou
diabetes). Este é um exemplo simples e concreto para nos ajudar a definir o que
é afinal o “não chega”. Cada um de nós terá o seu “limite” imaginário em
relação ao que pretende fazer com os seus filhos.
Em relação às atividades e à
estimulação, podemos também ter vários tetos. Uma mãe pode desejar criar um
filho que se sinta apenas feliz, outra pode desejar criar um Einstein em ponto
pequeno, bilingue, que saiba ler aos 4 anos e escrever o nome manuscrito aos 5.
(Exagerei um bocadinho na comparação só para definir que os objetivos podem ser
realmente diferentes).
Se eu pensar no “não chega” como algo
que será suficiente para que a criança desenvolva dentro dos parâmetros
conhecidos como normais “é mais do que suficiente”.
Mas, vamos pensar por partes:
O BRINCAR DE ANTIGAMENTE VERSUS O
BRINCAR DE HOJE EM DIA
Se recuarmos no tempo e pensarmos na
forma como brincávamos no nosso tempo e como as crianças brincam hoje em dia
teremos várias respostas a esta questão.
No nosso tempo (e não precisamos recuar
assim tanto para perceber grandes diferenças) de que fomos estimulados? Quantas
atividades estruturadas vocês fizeram na vossa primeira infância? Fizeram
alguma? De que tipo? Quem preparou? Onde?
Talvez se recordem facilmente de uma ou
outra atividade “diferente” lá pela primária ou ensino básico. Eram poucas e
tão fascinantes, não eram?
Sentiram que essa falta de oportunidade
para explorar materiais “diferentes” vos deixou longe da “normalidade” ou de um
objetivo? Sentiram que ficaram mais condicionados por isso?
E hoje, sentem-se menos capazes por ter
sido assim? Por não terem sido sujeitos a uma estimulação precoce criada a
partir de atividades preparadas e planeadas pelos vossos pais?
Aqui poderíamos entrar pelo debate de
alguns estudos científicos, mas não quero entrar pela base científica, até
porque os bons estudos limitam-nos em termos de variáveis e quero debater este
tema de forma livre. Vamos simplificar e utilizar apenas a experiência de vida?
BRINCAR DE FORMA LIVRE VERSUS BRINCAR DE
FORMA ESTRUTURADA
Partindo do pressuposto que a principal
ocupação da criança é o brincar, e enquanto terapeuta ocupacional posso
diferenciar uma atividade que lhe é apresentada de uma que é criada por si
mesma como uma atividade que é estruturada e uma que é espontânea (ou livre),
respetivamente.
Imaginando o cenário da atividade que
lhe é apresentada, compreendamos que a criança apenas viu o resultado final e
nada fez para brincar com aquilo. Se pensarem nas partilhas que veem por aí,
quantas atividades apresentadas às crianças foram construídas por elas antes de
lhes chegarem às mãos? A criança vê a atividade no momento em que a tem
disponível para brincar.
E quantas vezes repetem-se essas
atividades? Fazem-se uma vez e arrumam-se para sempre? E se a criança gostar
muito? Repete-se no dia a seguir? E no outro e no outro e no outro, sempre que
ela pedir?
Por outro lado, uma atividade livre é
aquela que a criança criou, a partir de um material ou de algo que lhe deram ou
ela própria encontrou. Este tipo de atividade, que a criança prepara dá-lhe,
por si só, uma envolvência emocional maior e uma capacidade de planeamento,
auto-controlo e criatividade superiores. Ela tem que esperar pelo resultado
final para a poder usar. Ela sabe o quanto custou e tem que a cuidar, ela idealizou
o conceito e concretizou, ela quer explorar o que acabou de inventar. Nota-se,
até pela descrição que o próprio processo é um processo mais demorado, e por si
só, já faz parte do brincar.
BEBÉS VERSUS CRIANÇAS
Não podemos esquecer de algo
fundamental: os dois grandes grupos de crianças: os bebés, dos 0 aos 3 anos,
que requerem muita atenção e muita orientação e as crianças a partir dos 3
anos, idade a partir da qual começam a revelar um crescente potencial para
desenvolverem as atividades que mais as estimula.
Imaginemos os bebés e voltemos atrás no
tempo. Imaginem-se bebés, com base no que se recordam ou vos contaram: Quantas
atividades eram planeadas? Quantas vezes meteram a mão no arroz, na gelatina ou
na tinta para procurar objetos ou apenas explorar livremente? Talvez não se
recordem de histórias deste género (e a recordar, talvez sejam poucas). Mas
certamente recordar-se-ão das vezes que foram ao parque passear, andar de
triciclo, às cavalitas, de fazer o avião, dos assobios e de todas essas
atividades que grande parte dos familiares produz quando pega um bebé no colo.
Não precisavam (ou praticamente não precisavam) de objetos para brincar.
Há uma mudança significativa na forma como a nossa sociedade vive atualmente e essa forma de viver difere de região para região, de país para país. Na sociedade em geral, em Portugal sobreutdo, uma das grandes diferenças que
encontramos é o número de elementos que rodeiam as crianças. Hoje em dia o número de elementos em redor de uma criança é menor. As crianças vivem mais isoladas, longe de uma comunidade
segura e diversificada o suficiente para a estimular. As crianças possuem menos pessoas de referência porque as famílias tendencialmente são mais pequenas.
Em relação aos bebés, há uma maior necessidade de se "reinventarem" atividades e formas de o "entreter". Defendo que se um bebé pequeno não frequentar a
creche é realmente importante que os pais se dediquem a ele. Mas no fundo, defendo sempre isso. É nosso dever enquanto pais estar presentes para os nossos filhos, sobretudo nas idades em que mais precisam de nós. E por muito que seja aliciante criar atividades diversificadas e explorar tudo o que vemos por aí, não há uma real necessidade inventar-se demasiado. Aproveitar o que a natureza nos dá e as ferramentas que o nosso corpo nos permite criar serão boas formas de permitir à criança a estimulação de todos os seus sentidos e de colocar à prova todas as suas competências. Assim, e no meio de uma rotina, muitas vezes, exigente, basta utilizar os elementos da
natureza, a voz e o próprio corpo para criar atividades bem estimulantes e
ótimas para o desenvolvimento da criança.
Claro que tudo isto aplica-se se a
criança apresentar um desenvolvimento padrão dentro dos parâmetros conhecidos
como normais. Crianças que evidenciem sinais de alarme necessitarão de um
acompanhamento especializado, de forma a potenciar a estimulação de
competências específicas. E está mais do que provado que qualquer intervenção precoce permitirá melhores resultados. Mas isso é como outra doença qualquer. Uma criança
que não vê bem ao longe precisará de óculos para ajudar a ver melhor. A sua
natureza não lhe permite chegar mais longe, mas uma ajuda extra pode
permitir-lhe ter uma vida “normal”.
Relativamente a crianças maiores, sobretudo a partir dos 3 anos, 3 anos e meio notamos um crescente aumento de competências e a brincadeira flui cada vez mais naturalmente. Ela é capaz de recriar vários cenários, de explorar e dar vida a diferentes materiais e o seu tempo de permanência em cada atividade é cada vez maior. Da mesma forma, defendo que devemos estar sempre de olho na criança e, no caso de estar sózinha connosco, devemos fazer-lhe companhia. Conheço realidades diferentes e não se podem esquecer as crianças que são "abandonadas" dentro da sua própria habitação. Pais que cuidam mais deles do que dos próprios filhos continua a ser uma realidade, infelizmente. Mas, se estivermos disponíveis para aprender com elas, se pararmos para as escutar, elas irão conduzir-nos com muita naturalidade para o que pretendem explorar.
Quando há irmãos é mais fácil criar mais momentos de interação.
AFINAL, BRINCAR É SUFICIENTE?
Brincar é fundamental. É (ou deve ser) a principal ocupação de qualquer criança.
Promover atividades diferentes às
crianças é ótimo, mas na realidade, o que produzimos de forma natural no nosso
dia-a-dia cria um impacto maior na sua personalidade e forma de viver. A relação que estabelecemos com elas, a forma como as orientamos, a forma como cuidamos delas e a forma como as introduzimos nas nossas tarefas é crucial para todas as aprendizagens que ela possa vir a ter.
Sou apologista da estimulação precoce
por todas as razões e mais algumas que trago da minha área profissional. Mas
sei, enquanto mãe, a dificuldade que existe em criar um equilíbrio entre todas
as variáveis que constituem o dia-a-dia de tantas mães, muitas como eu, com uma
rede de suporte muito curta ou inexistente. Por isso, para vos tranquilizar,
posso apenas dizer: as crianças chegam lá, na grande maioria dos casos. Não são
necessárias atividades XPTO ou muito atrativas ao olhar (ao nosso e ao delas). Para mim, é ótimo explorar coisas diferentes, é ótimo contemplar o comportamento da criança. Mas, não temos que ser todas iguais. E, se quiserem e conseguirem incluir uma ou outra atividade diferente, apenas desfrutem do
momento. Apreciem a forma como a criança se envolve na atividade e como é capaz
de brincar. Senão, levem a criança convosco para todo o lado, conversem com
ela, cantem, dancem e leiam juntos. Será mais do que suficiente.
Não se preocupem se não desenvolvem atividades muito diferentes das que fizeram parte do vosso percurso. Não é necessário ser criativo para permitir à criança um desenvolvimento normal e feliz. E há sempre aqueles jogos básicos, que todas as crianças acabam por receber e que são ótimas ferramentas para as "testar": os jogos de tabuleiro, dominó, puzzles, plasticina,... E tudo o que a natureza e comunidade nos coloca à disposição.
E lembrem-se sempre: dar à criança a
oportunidade de não ter com o que brincar é por si só uma forma de a estimular.
Ela sentirá necessidade de criar algo para se "entreter". Afinal de contas, ela
só pensa em brincar ;)
Por isso, à pergunta “não basta apenas
brincar?” Acho que já vos dei uma resposta.
PS: Poderíamos analisar mais variáveis, mas acho que abordei algumas das mais "importantes" para a questão que foi levantada.
E vocês, o que pensam sobre tudo isto? Afinal, apenas brincar é ou não suficiente?