Todos nós, em
geral, uns de forma mais profunda do que outros (se é que o posso dizer desta
forma) conhecemos a ansiedade. A ansiedade é algo normal e comum a todos os
seres humanos. O desconhecido, o medo desenvolvido através de experiências
prévias ou até o medo irracional, muitos deles, associados a diferentes etapas
do desenvolvimento, propiciam a experiência de ansiedade. Entre elas, a
ansiedade infantil.
Antes de
pensarmos em estratégias para lidar com a ansiedade é importante perceber o que
é a ansiedade afinal.
Apesar de a associamos, frequentemente, a algo difícil e doloroso, a
ansiedade é uma emoção normal. Ao som da palavra “ansiedade” pensamos quase
automaticamente em algo que surge fora do nosso controlo e nos leva para um
estado menos confortável. E esta associação, que carregamos por múltiplas
razões, acaba por passar para os nossos filhos.
Querem saber como?
Antes de entrarmos na parte que vos quero falar, há que relembrar que nem
todos os sintomas de ansiedade podem ser atenuados APENAS com estratégias
práticas. Há que ter em consideração que a ansiedade pode resultar numa
perturbação, que pode surgir em qualquer idade. Desde os mais novos aos mais
velhos, todos estamos suscetíveis a experienciar uma perturbação de ansiedade. Nós,
adultos, podemos precisar de ajuda profissional, de recorrer a um psicólogo ou
psiquiatra, com as crianças devemos fazer o mesmo (o psicólogo e o pedopsiquiatra
podem ajudar).
A ansiedade infantil pode ser causada por fatores hereditários,
aprendizagem do meio, estilos de educação parental ou até mesmo a por situações
de vida.
Há ainda que relembrar que as crianças passam por etapas de desenvolvimento
diferentes, durante as quais apresentam medos comuns. O medo de ficar sozinho,
de dormir num quarto escuro, de monstros, por exemplo, são alguns dos medos
mais falados.
Enquanto mãe e
terapeuta ocupacional procuro sempre focar a minha intervenção ou forma de
viver à parte que posso controlar. De forma simples, procuro sempre e, em
primeiro lugar, compreender se algo no meio onde as minhas crianças estão inseridas,
na forma como me sinto ou na forma como interajo com as minhas crianças está a
contribuir para determinada situação.
Desta forma,
iremos focar-nos em dicas que podem ajudar as nossas crianças de forma prática.
Apesar de acreditar que as dicas que irei deixar-vos são ótimas dicas para
aplicarem com qualquer criança, sei que podem não resultar com todas. E nesse
caso, será necessário procurar ajuda e investir um bocadinho mais, mas por ser
demasiado complexo entrar por aí, hoje não irei entrar por aí.
Por isso,
antes que leiam as dicas que vos quero deixar, lembrem-se que estamos apenas a
falar de uma parte dos casos.
Primeira dica: Avaliação
Acredito que,
antes de qualquer estratégia, é necessário fazer uma boa avaliação. E a avaliação não deve ser apenas baseada na criança e
nos sintomas que ela apresenta. Obviamente que a criança deve ser o ponto de
partida e é muito importante estarmos atentos a todos os sinais e identificarmos
todos os sintomas emocionais, físicos ou comportamentais. Uma dor de barriga,
um pedido para ficar em casa, um pedido de colo “a mais”, uma queixa extra, a falta
de apetite, a irritabilidade e algumas dificuldades em dormir são apenas alguns
dos sintomas que são importantes identificar.
Depois de
identificados os sintomas é importante compreender a sua duração. Há quanto
tempo surgiram? Têm acontecido de forma continuada ou intermitente? Conseguem
identificar algum motivo para que esses sintomas tenham surgido? Por vezes, os
motivos são facilmente identificados. Outras vezes não. Por isso é muito importante
passar à etapa seguinte…
Para qualquer
um dos sintomas é importante compreender
TODOS os contextos onde a criança está inserida: o contexto familiar, o
contexto escolar e todos os outros contextos que ela possa frequentar. É
importante identificar se algo mudou, se algo a deixou triste, se de alguma
forma, algo a está a perturbar. Por vezes, as crianças chegam a casa e dizem
que não querem ir à escola, não porque a escola esteja a ser difícil, mas
talvez por outras razões. Por vezes, é porque a mãe ou o pai mudou de trabalho,
de rotinas, ora porque está mais presente ou ausente, ora porque está mais
agitado ou isolado, impaciente ou irritado. Como criança que é, é normal que
tenha dificuldade em expressar o que a preocupa de verdade. E é normal que projete
esse desconforto noutras áreas.
Por isso,
acredito que antes de qualquer estratégia é importante analisar tudo isto e recolher
o máximo de informação.
Conversar em
família, compreender o que mudou dentro da própria casa a nível de rotinas, de
pessoas que a frequentam, de atividades que realizam. Conversar com a escola
para compreender como a criança tem estado, com quem tem brincado, se há algo
mais para além do que conseguimos ver.
Depois… Como
sempre digo: olhar para dentro de nós mesmos. Como estou? Como me tenho
sentido? Ansiosa? Preocupada? O que tenho feito? Algo diferente? As crianças
são sensíveis a alterações e elas compreendem quando também estamos preocupados.
Compreender como estamos e tentar reajustar algo se for necessário será
importante antes de passar à fase seguinte. Por vezes, este passo é crucial
para que os passos seguintes resultem ou não…
A fase das estratégias.
Um dos nossos comportamentos
frequentes perante crianças ansiosas é o evitamento. Nenhum pai/mãe gosta de
ver um filho sofrer. E como não as queremos ver ansiosas, tentamos protege-las
dessa emoção. Pedimos que não fiquem ansiosas, prometemos que vai passar,
dizemos que vai ficar tudo bem, e por aí fora. É necessário contrariar este
comportamento e passar do evitamento à aceitação. É bom que as crianças saibam
o que é a ansiedade e mais importante ainda, que a saibam identificar,
reconhecer e gerir.
Segunda dica:
Por isso, a dica seguinte é: dêem-lhe espaço para que
possa sentir como é, para que possa “conhecer” a ansiedade. Mas, como? Explicando-lhe o que isso é. Explicando-lhe que
sentir ansiedade é normal. Que toda a gente sente o mesmo quando faz algo pela
primeira vez. Sou muito apologista dos exemplos práticos. Para uma criança, que
nunca viveu uma determinada situação e para a qual o pensamento abstrato ainda
está em construção, é importante compreender a situação de forma mais clara. Demonstrem,
com exemplos práticos, que nós também nos sentimos ansiosos quando fazemos algo
diferente, que nos sentíamos ansiosos quando fazíamos algo pela primeira vez,
quando tínhamos a mesma idade que ela. Com exemplos, torna-se mais fácil para
as crianças entenderem a mensagem. Sobretudo com crianças pequenas, é
importante partilhar uma história que seja simples, concreta e fácil de
compreender. Não incluam demasiada informação. Usem apenas a informação
necessária para que a criança consiga focar a atenção no que é realmente essencial.
A comunicação tem poder. E com crianças esse poder é quase surreal. Uma boa comunicação,
descomplicada e focada apenas no essencial pode transformar uma experiência que
se esperava difícil numa experiencia prazerosa. Se puderem incluir um exemplo
vosso tanto melhor (senão, inventem um na hora, não inventem demasiado, mas
façam uns “truques de magia”). Uma “mentirinha” não irá fazer mal.
Depois de
aceitarmos a ansiedade como algo normal e passarmos a mensagem à nossa criança
de que é normal sentir-se dessa forma, é importante passar à ação propriamente
dita.
Terceira dica
Dependendo da situação, poderá ser importante conhecer o
local. Uma visita ao
local onde precisam de ir, um vídeo no youtube
que mostre o local ou a experiência pode ser vantajoso. Uma das vantagens da
tecnologia é a possibilidade de encontrarmos as mais diversas experiências online. Tentem procurar as que
transmitem uma mensagem positiva.
Se a criança
irá ser submetida a uma experiência “exigente” como uma operação, por exemplo, vocês
podem explicar parte do processo. Não contem tudo. Nunca contem tudo (pode ser
demasiado). Foquem-se nos medos que a criança apresentar. Não explorem mais do
que ela contar. Por vezes, somos nós que lhes introduzimos medos sem
percebermos. Ao perguntarmos a um filho “tens algum medo?”, por exemplo, ou
algo do género, por vezes estamos a escarafunchar problemas que ela nem tem.
Mas porque os transmitimos ela vai dizer que sim e isso pode escalar para um
medo real (mesmo que, por vezes, possa ser irracional).
Não contem
tudo, mas contem algumas coisas. Passem a mensagem de forma positiva, reduzindo
os seus medos a algo mais fácil de lidar.
Por exemplo,
ao invés de lhes dizerem “Estás com medo? Tens medo que possa doer? Pode doer
um bocadinho…” digam-lhe “quando a operação terminar não voltarás a ter as
mesmas dificuldades que tens tido. Mas não sabemos muito bem se vai doer,
porque todos somos diferentes. Se calhar pode doer um bocadinho mas vai passar
rápido, só precisamos de ficar 3 dias no hospital. Sabes, alguns meninos não
sentem dor, outros sentem um bocadinho e vamos conhecer muitos meninos que
fizeram o mesmo que tu. E sabes, se doer um bocadinho podes tomar remedinho para
ajudar. E vamos preparar uma mala especial, podes levar o teu boneco preferido”.
A forma como comunicamos, mais uma vez, pode fazer toda a diferença.
Transmitir que
não sabem ao certo se irá sentir dor, que existe essa possibilidade mas nem
todos somos iguais, que depois de acordar ficará a descansar, e aí enumerem
todos os aspetos positivos. Antes de relatarem e focarem na parte difícil,
experimentem começar pela parte positiva de forma a captarem a sua atenção. Começar
pelo oposto pode prender a sua atenção para a parte difícil e a criança pode perder
o foco depois e aí a mensagem positiva já não chegará. Certifiquem-se de que a
criança está disposta a escutar. Não adianta conversar se o recetor estiver
cansado ou desinteressado.
Resumidamente,
ajudem que a criança a focar-se no lado positivo dessa experiência. E só
depois, mas durante a mesma conversa, introduzam os desconfortos associados. O
poder da comunicação é muito importante e a forma como lhes comunicamos algo
faz toda a diferença na forma como irão receber a mensagem e viver a
experiência.
Se passarmos a
mensagem positiva de que aquilo é importante, mas que é normal sentir medo,
desconforto, que é normal chorar, damos espaço à criança para sentir tudo o que
tem que sentir, mas sempre com a mensagem de que aquilo é essencial e normal.
Que acima de tudo é isso, normal. Acolher, normalizar e relativizar são sempre
as melhores estratégias para qualquer situação.
Quarta Dica: Outra estratégia que faz parte da minha lista de recomendações é dar TEMPO à criança para ela assimilar a
mensagem. Mas não dar tempo demais. Como assim? O tempo que devemos dar a uma
criança de 4 ou 5 anos é completamente diferente do que uma criança de 7 ou 8
precisa.
Uma criança
pequena não tem o mesmo entendimento sobre o tempo que uma criança maior.
Pensem no countdown para o Natal. As
crianças pequenas não compreendem o que são 24 dias, enquanto as maiores podem
compreender. Por outro lado, usar pistas visuais pode ajudar a criança a não
ficar tão ansiosa. Mas isto dependerá da situação, da criança e obviamente da dinâmica
familiar.
Outro aspeto
que terá impacto é a fase de desenvolvimento que a criança está a atravessar. Por
isso, se sentem que a vossa criança está a viver uma fase bastante delicada e
tem sido difícil ajudá-la a controlar a ansiedade, não contem tudo com
antecedência. Contem perto do acontecimento. Mas até lá, trabalhem para lhe dar
estabilidade emocional. Foquem-se em promover rotinas estruturadas e
satisfatórias. Procurem ainda, durante esse tempo, passar a mensagem com exemplos
de outras situações, utilizando a brincadeira como meio para passar a mensagem
de forma bem informal. Outra forma de as preparar pode ser através de objetos.
Incluam um objeto (ou mesmo alimento) na sua rotina para que a criança se
familiarize com isso antes da situação real.
Quinta Dica: Por fim, acreditem em vocês e
na vossa capacidade de gestão. Acreditem que, por muito difícil que seja para
vocês contornarem esta situação, vocês são capazes de ajudar a vossa criança
como ninguém.
E claro, se
com todas estas estratégias, implementadas com consistência, sentirem que mesmo
assim, a ansiedade não vai embora, por favor, não esperem mais tempo e procurem
ajuda de um profissional.
Se por outro
lado, identificaram que algo do que escrevi pode ajudar, mas ficaram com
dúvidas e gostavam de explorar, estou disponível para conversar. Se puder
ajudar, será um prazer. Senão, posso sempre orientar a procurar um profissional
diferente.